terça-feira, 13 de agosto de 2013

Mais Medicina Geral

Gustavo Gusso

O programa Mais Médicos do Governo Federal estimulou a discussão da quantidade e distribuição dos médicos no Brasil. Os dados exaustivamente analisados e divulgados mostram que há neste momento uma deficiência no numero de médicos se comparado com Europa mas também com Argentina e Uruguai. Além disso, há má distribuição dos médicos . O principal argumento usado pelos representantes das entidades médicas é que a distribuição é ruim apenas porque falta estrutura e mercado para o médico atuar. Porém, a pior distribuição não é geográfica, mas sim por especialidade.

De fato, há falta de médicos, mas estudo conduzido pelo Professor Milton Martins da Faculdade de Medicina da USP (relatório 1 e relatório 2) demonstrou que o número de vagas de medicina é bastante suficiente. O problema é que a criação de faculdade de medicina é uma ação que apesar de poder ser colocada em prática em curto prazo, embora não seja recomendado, traz efeitos a médio ou longo prazo. O estudante demora seis anos para se formar e ate cinco anos para cursar uma residência, ou seja, os primeiros médicos entram em massa no mercado após 10 anos. Além disso, uma faculdade produz superávit de médicos por 40 anos, tempo médio de trabalho de um médico, ou seja, quando os primeiros formados começam a se aposentar e a produção de novos médicos de cada faculdade se equilibra com os que deixam a profissão. Desta forma a criação de uma faculdade de medicina como ação feita para reduzir o déficit de médicos atinge seu apogeu em 50 anos e a perspectiva é que em menos tempo do que isso, com as faculdades de medicina criadas nos últimos anos e com a redução da fertilidade, o Brasil terá mais médicos que a grande maioria dos países que servem de referência hoje.

A única forma de se lidar com a deficiência de médicos a curto prazo é a importação dos mesmos. Por isso a maioria dos países desenvolvidos utiliza deste recurso completando as vagas de residência que sobram com os melhores médicos de países em pior situação econômica e social. Ou seja, as provas de revalidação não são eliminatórias mas classificatórias e entram os melhores candidatos até que a ultima vaga de cada especialidade, cuja distribuição é determinada pela necessidade do país, seja preenchida. Isso traz problemas, em geral, ao país que esta exportando os médicos e que gastou muito nesse investimento. Por isso, esta ação já foi condenada na Organização Internacional do Trabalho e na Organização Mundial da Saúde. Um problema excepcional é a forma como Cuba exporta seus médicos lidando como “commodity”, ou seja, confisca o passaporte, impede acompanhamento de parentes e fornece apenas uma ajuda de custo aos que estão indo em “missão”.  Desta forma, a importação de médicos é potencialmente ruim para o país que esta exportando mas previne ações trágicas e pouco efetivas como a abertura indiscriminada de escolas de medicina em curto prazo no pais que os está recebendo.

Quanto ao segundo aspecto, tão ou mais grave que a má distribuição geográfica é a má distribuição por especialidades. A distribuição geográfica é em geral corrigida pelos governos nos países em que há sistema de saúde organizado através da regulação da criação de postos de trabalho. Mesmo em países onde o sistema é baseado em seguros de saúde considerados publico-privados como Alemanha e França, o médico recém saído da residência não pode trabalhar onde bem entender. A regulação das vagas de residência é ainda mais rígida. Hoje se sabe através de inúmeros estudos que quando há aproximadamente 50% das vagas para generalistas (clinica médica geral, pediatria e medicina de família e comunidade) e 50% para especialistas o sistema funciona melhor,  os pacientes são protegidos de intervenções desnecessárias, os especialistas ganham mais cuidando apenas da área para a qual foram treinados e há redução da mortalidade. Até 2011 as entidades médicas foram maioria na Comissão Nacional de Residência Médica que produziu nos últimos 30 anos uma enorme distorção da relação de vagas por especialidades em relação a vagas para áreas gerais pois estas eram destinadas conforme as demandas dos próprios médicos e estudantes de medicina.


Enfim, a impressão que fica pelas manifestações públicas é que a categoria médica acredita apenas na premissa que o mercado corrige as distorções quando é exatamente o contrário, o mercado as tem produzido, pelo menos no setor saúde, provavelmente o mais complexo de toda cadeia produtiva. Segundo a experiência dos países que obtiveram sucesso na organização do sistema de saúde, a regulação estatal quando bem feita, desde as vagas de residência até os postos de trabalho é bastante protetora tanto para os pacientes quanto para os médicos. 

Um comentário:

  1. Prezado Dr.

    Faltou na sua argumentação colocar dois pontos fundamentais:
    1 - A distribuição geográfica dos médicos no Brasil poderia ser facilmente resolvida a exemplo do que ocorre no judiciário, ou seja, com um plano de carreira que estimulasse a distribuição para as áreas mais remotas. Desconheço falta de candidatos para a magistratura em qualquer concurso no território nacional
    2 - Fiz as provas para concorrer a uma vaga de residência nos EUA. Como tenho certeza que o Sr. sabe, ela é exatamente igual as provas que os americanos fazem. Em países sérios, não existem atalhos. Nos EUA, o indivíduo, para atuar como médico, além de fazer as provas citadas deve FAZER RESIDÊNCIA lá também. Não é sensato colocarmos profissionais que não foram submetidos às mesmas certificações que os brasileiros para atenderem a população carente. Se essa lógica serve para os médicos, também serve para qualquer outro profissional que esteja faltando ou seja caro no Brasil.
    Agora o que me deixa realmente triste, são médicos defendendo um programa populista que tenta salvar mais um de muitos governos incompetentes e negligentes.

    Cordialmente

    Wagner Malagó Tavares

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