Por Gustavo Gusso
Na medicina, o ensino guarda grande paralelo com a
assistência. As avaliações refletem o que ocorre no sistema e não o contrário,
ou seja, não é a avaliação dos novos egressos que irá melhorar o sistema.
Cada vez mais os países desenvolvidos com sistemas de saúde
públicos de qualidade valorizam o primeiro contato do paciente com um medico
generalista bem formado, na maioria dos lugares chamado médico de família. Este
profissional chega a ser responsável por 70% da formação da graduação no
Canadá. O departamento de Medicina de Família e Comunidade da Universidade de
Toronto tem 1200 médicos de família dentre professores colaboradores e
associados. No Brasil a realidade é oposta. Raramente há Departamentos de Medicina
de Família nas Universidades. Praticamente 90% do ensino é feito por
especialistas. Portanto, embasar a prova do Cremesp em avaliações de egressos
que ocorrem em países como o Canadá é um despropósito.
Além disso, o que se objetiva avaliar em países como o Canadá
é o conhecimento do graduado em medicina geral. Mesmo nas melhores
Universidades do mundo o médico não sai apto a exercer a medicina. Desta forma,
a prova do Cremesp não avalia ou não deveria avaliar, se o egresso está apto a
exercer a medicina. A residência médica deveria ser obrigatória e após a
residência deve haver uma avaliação do especialista. Se o objetivo é avaliar a
aquisição de conhecimentos gerais durante a graduação, então a prova do Cremesp
deveria ser elaborada majoritariamente por generalistas, que nos países com
sistemas de saúde avançados são os médicos de família e em alguns locais também
os pediatras gerais ou comunitários.
Ou seja, assim como em um sistema de saúde que se preze o
primeiro contato do paciente não deve ser feito com especialistas que cuidam de
apenas uma determinada área, o ensino da medicina e a avaliação dos egressos
também não deveriam ser realizados majoritariamente por estes especialistas.
Por mais que um especialista tenha feito medicina, sua visão é enviesada tanto
no atendimento de primeiro contato quanto na elaboração da prova. Esta desvalorização e escassez do generalista no
ensino e na assistência não está correta e é um dos estimuladores de um sistema
de saúde tanto público quanto privado bastante falho, embora no Brasil isto
seja pouco debatido e dado como aceitável.
Entender uma prova feita por médicos
especialistas da elite médica e que são ao mesmo tempo vítimas e alimentadores
de um sistema de saúde nada exemplar é um grave equívoco e um massacre aos
egressos ou mesmo as escolas médicas que estão tentando inovar e fazer o recomendado
que é mudar a lógica. Enfim, existem poucas coisas corretas no sistema de saúde
publico e privado brasileiro, bem como no sistema de educação médica. Esta
avaliação do Cremesp não está dentre elas. É um tema muito complexo e esta
simplificação é bastante perigosa e provavelmente mais uma estratégia para que
nada mude ou para que ratifique o status
quo e a falácia tácita que é “há apenas seis hospitais de excelência no
Brasil e uma meia dúzia de faculdades de medicina de fato boas e tradicionais
que alimentam estes seis hospitais de bons médicos”.