segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A avaliação do Cremesp


Por Gustavo Gusso

Na medicina, o ensino guarda grande paralelo com a assistência. As avaliações refletem o que ocorre no sistema e não o contrário, ou seja, não é a avaliação dos novos egressos que irá melhorar o sistema.

Cada vez mais os países desenvolvidos com sistemas de saúde públicos de qualidade valorizam o primeiro contato do paciente com um medico generalista bem formado, na maioria dos lugares chamado médico de família. Este profissional chega a ser responsável por 70% da formação da graduação no Canadá. O departamento de Medicina de Família e Comunidade da Universidade de Toronto tem 1200 médicos de família dentre professores colaboradores e associados. No Brasil a realidade é oposta. Raramente há Departamentos de Medicina de Família nas Universidades. Praticamente 90% do ensino é feito por especialistas. Portanto, embasar a prova do Cremesp em avaliações de egressos que ocorrem em países como o Canadá é um despropósito.

Além disso, o que se objetiva avaliar em países como o Canadá é o conhecimento do graduado em medicina geral. Mesmo nas melhores Universidades do mundo o médico não sai apto a exercer a medicina. Desta forma, a prova do Cremesp não avalia ou não deveria avaliar, se o egresso está apto a exercer a medicina. A residência médica deveria ser obrigatória e após a residência deve haver uma avaliação do especialista. Se o objetivo é avaliar a aquisição de conhecimentos gerais durante a graduação, então a prova do Cremesp deveria ser elaborada majoritariamente por generalistas, que nos países com sistemas de saúde avançados são os médicos de família e em alguns locais também os pediatras gerais ou comunitários.

Ou seja, assim como em um sistema de saúde que se preze o primeiro contato do paciente não deve ser feito com especialistas que cuidam de apenas uma determinada área, o ensino da medicina e a avaliação dos egressos também não deveriam ser realizados majoritariamente por estes especialistas. Por mais que um especialista tenha feito medicina, sua visão é enviesada tanto no atendimento de primeiro contato quanto na elaboração da prova.  Esta desvalorização e escassez do generalista no ensino e na assistência não está correta e é um dos estimuladores de um sistema de saúde tanto público quanto privado bastante falho, embora no Brasil isto seja pouco debatido e dado como aceitável. 

Entender uma prova feita por médicos especialistas da elite médica e que são ao mesmo tempo vítimas e alimentadores de um sistema de saúde nada exemplar é um grave equívoco e um massacre aos egressos ou mesmo as escolas médicas que estão tentando inovar e fazer o recomendado que é mudar a lógica. Enfim, existem poucas coisas corretas no sistema de saúde publico e privado brasileiro, bem como no sistema de educação médica. Esta avaliação do Cremesp não está dentre elas. É um tema muito complexo e esta simplificação é bastante perigosa e provavelmente mais uma estratégia para que nada mude ou para que ratifique o status quo e a falácia tácita que é “há apenas seis hospitais de excelência no Brasil e uma meia dúzia de faculdades de medicina de fato boas e tradicionais que alimentam estes seis hospitais de bons médicos”.

Um comentário:

  1. Concordo, e observo que este mesmo fenômeno de avaliação apenas refletindo as desigualdades e não resolvendo os problemas comuns acontece em quase todas a areas da educação. Não sabia que era assim tão crítico o sistema de avaliação do ensino da medicina. SOCORRO!!! rs
    Acho que isso se deve ao que vc chama de visão inviesada, coisa da nossa sociedade, que acontece desde o ensino fundamental e básico (dentro de casa) onde somos ensinados a respeitar os mais velhos e as autoridades pela força, sem sermos orientados das razões pelas quais devemos fazer isso, e crescemos familiarizados com o abuso do poder proporcionado pela ignorância.
    Herança do autoritarismo, do regime militar, na minha opinião.

    ResponderExcluir