segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A incrível história oncológica dos presidentes latino americanos

Gustavo Gusso – Professor da Disciplina de Clinica Geral da Universidade de São Paulo
Marc Jamoulle – Médico de Família, Pesquisador Independente de Atenção Primária à Saúde, filiado ao Institute for Health and Society (IRSS) da Universidade de Louvain (Bélgica)
Juan Gérvas – Professor Honorário de Saúde Pública, Universidade Autônoma, Madrid (Espanha)

No dia 3 de outubro a Folha de São Paulo noticiou que o Presidente da Colômbia foi internado para a retirada de um câncer de próstata. Na semana anterior havíamos postado na rede social que “todos os presidentes da América Latina têm ou terão câncer”. A profecia é simples e baseada em sistemas de saúde doentes em que não há controle na proporção de generalistas e especialistas. Já foram diagnosticados com câncer Cristina Kirshner, Dilma Roussef, Hugo Chavez e Juan Manuel Santos, para citar apenas os que estão na ativa (Fernando Lugo e Lula deixaram seus respectivos cargos).  Um suposto câncer nos seios da face de Evo Morales vazou em documentos divulgados pelo WikiLeaks. Dos países mais relevantes restam apenas os presidentes do Uruguai e do Chile, este, talvez não por acaso, o país mais desenvolvido da região. 

Alguns conceitos podem ajudar a explicar o fenômeno. Um primeiro é o sobrediagnóstico. Cada câncer tem sua especificidade mas com a evolução tecnológica, há mais diagnósticos que não representam ameaça a vida, ou seja, tem aumentado a taxa de diagnóstico com pouca diminuição da mortalidade por estes tumores. Isto foi demonstrado por Ray Moynihan no artigo “Preventing overdiagnosis: how to stop harming the healthy” publicado em maio de 2012 no BMJ e por Gilbert Welch, autor do livro “Overdiagnosed: Making people sick in the pursuit of health”. Ou seja, a própria revolução tecnológica colocou a medicina em uma sinuca: cada vez mais se consegue diagnosticar doenças incipientes, mas não há tecnologia para separar o joio do trigo, ou seja, quais doenças avançariam e quais não avançariam e neste caso o tratamento acaba tendo mais dano que benefício. Os cânceres que tem mais sobrediagnóstico são de tireoide, rim, próstata, mama e melanoma. No congresso de 2011 da American Society of Clinical Dermatology foi apresentado um trabalho cuja conclusão diz que se há mais de 2 dermatologistas para 100.000 habitantes não diminuiu a mortalidade por melanoma e há o risco de sobrediagnóstico.

Outro conceito já mais difundido é o falso positivo. Sabe-se que ultrassom de tireoide para quem não tem nenhum sinal ou sintoma produz mais falsos que verdadeiros positivos e foi isto o que provavelmente ocorreu com a Presidente da Argentina, que acabou retirando a tireoide sem necessidade. O problema é que a sociedade é permissiva com o excesso e em geral agradece a retirada de um órgão vital “preventivamente” mesmo que o procedimento tenha sido desnecessário, como foi o caso da esclarecida política. Já o falso negativo, bem mais raro, ou seja, quando um médico examina, escuta e não solicita exames em excesso mas deixa passar um problema ainda que seja inócuo, não é perdoado. Esta situação aliada ao excesso de especialistas, em especial no setor privado que é o utilizado pelos presidentes da América Latina, cria um pavor excessivo.

O objetivo da medicina não é fazer diagnósticos de doenças que podem não trazer consequências mas sim prolongar a vida com o máximo de qualidade e minimizar o sofrimento incluindo no momento, inexorável, da morte.  Também o objetivo não é deixar uma mulher falecer aos 56 anos de infarto com as mamografias em dia ou um homem falecer de acidente vascular encefálico aos 62 tendo realizado dezenas de toques retais e PSAs. Os sistemas de saúde europeus que gastam a metade que o Norte Americano, tentam respeitar estas premissas e todo cidadão é incentivado a procurar seu médico de família. Este deve traçar uma estratégia preventiva individualizada com base nos riscos e no conhecimento prévio da pessoa.

Sabe-se desde a década de 60 que prevenção pode ser tanto primária (vacina, atividade física), secundária (exames periódicos) quanto terciária (reabilitação, investigação de sintomas). Há ainda uma quarta modalidade descrita na década de 80 por Marc Jamoulle que seria a proteção do paciente com sintomas vagos e em risco de supermedicalização evitando que este tenha acesso a intervenções desnecessárias. Ou seja, exceto os provedores de exames, todos perdem quando se estimula uma modalidade de prevenção separada da outra como é o caso das “fábricas de check ups” onde se “entra porco e sai salsicha”, nas palavras de um paciente imigrante europeu que teve uma bateria de exames agendada por sua secretária porque o nariz escorria muito. Saiu com muitas duvidas, alguns falsos positivos e com o nariz escorrendo.  Enfim, os políticos da América Latina dão maus exemplos quando sobre utilizam o sistema de saúde privado e, muito provavelmente, estão paradoxalmente causando mais danos a si mesmos que benefícios. Ser presidente na América Latina e rico é provavelmente um fator de risco para ter um câncer sobrediagnosticado. 

5 comentários:

  1. Enhorabuena por el artículo.
    El tuyo va a ser el primer blog en portugués que añada a mi Google Reader :)

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  2. por que não publicam em jornal de grande circulação? algum conflito de interesse?

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  3. Não sei mas este especificamente eu tentei publicar na Folha de São Paulo.

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