Marc Jamoulle – Médico de Família, Pesquisador Independente de
Atenção Primária à Saúde, filiado ao Institute for Health and
Society (IRSS) da Universidade de Louvain (Bélgica)
Juan Gérvas – Professor Honorário de Saúde Pública,
Universidade Autônoma, Madrid (Espanha)
No dia 3 de outubro a Folha de São Paulo noticiou que o Presidente da Colômbia foi
internado para a retirada de um câncer de próstata. Na semana anterior havíamos
postado na rede social que “todos os presidentes da América Latina têm ou terão
câncer”. A profecia é simples e baseada em sistemas de saúde doentes em que não
há controle na proporção de generalistas e especialistas. Já foram
diagnosticados com câncer Cristina Kirshner, Dilma Roussef, Hugo Chavez e Juan
Manuel Santos, para citar apenas os que estão na ativa (Fernando Lugo e Lula
deixaram seus respectivos cargos). Um
suposto câncer nos seios da face de Evo Morales vazou em documentos divulgados
pelo WikiLeaks. Dos países mais relevantes restam apenas os presidentes do
Uruguai e do Chile, este, talvez não por acaso, o país mais desenvolvido da
região.
Alguns conceitos
podem ajudar a explicar o fenômeno. Um primeiro é o sobrediagnóstico. Cada
câncer tem sua especificidade mas com a evolução tecnológica, há mais
diagnósticos que não representam ameaça a vida, ou seja, tem aumentado a taxa
de diagnóstico com pouca diminuição da mortalidade por estes tumores. Isto foi demonstrado por Ray Moynihan no artigo “Preventing overdiagnosis:
how to stop harming the healthy” publicado em maio de 2012 no BMJ e por Gilbert
Welch, autor do livro “Overdiagnosed: Making people sick in the pursuit of
health”. Ou seja, a própria
revolução tecnológica colocou a medicina em uma sinuca: cada vez mais se consegue
diagnosticar doenças incipientes, mas não há tecnologia para separar o joio do
trigo, ou seja, quais doenças avançariam e quais não avançariam e neste caso o
tratamento acaba tendo mais dano que benefício. Os cânceres que tem mais sobrediagnóstico
são de tireoide, rim, próstata, mama e melanoma. No congresso de 2011 da
American Society of Clinical Dermatology foi apresentado um trabalho cuja
conclusão diz que se há mais de 2 dermatologistas para 100.000 habitantes não diminuiu
a mortalidade por melanoma e há o risco de sobrediagnóstico.
Outro conceito já
mais difundido é o falso positivo. Sabe-se que ultrassom de tireoide para quem
não tem nenhum sinal ou sintoma produz mais falsos que verdadeiros positivos e
foi isto o que provavelmente ocorreu com a Presidente da Argentina, que acabou
retirando a tireoide sem necessidade. O problema é que a sociedade é permissiva
com o excesso e em geral agradece a retirada de um órgão vital
“preventivamente” mesmo que o procedimento tenha sido desnecessário, como foi o
caso da esclarecida política. Já o falso negativo, bem mais raro, ou seja,
quando um médico examina, escuta e não solicita exames em excesso mas deixa
passar um problema ainda que seja inócuo, não é perdoado. Esta situação aliada
ao excesso de especialistas, em especial no setor privado que é o utilizado
pelos presidentes da América Latina, cria um pavor excessivo.
O objetivo da
medicina não é fazer diagnósticos de doenças que podem não trazer consequências
mas sim prolongar a vida com o máximo de qualidade e minimizar o sofrimento
incluindo no momento, inexorável, da morte.
Também o objetivo não é deixar uma mulher falecer aos 56 anos de infarto
com as mamografias em dia ou um homem falecer de acidente vascular encefálico
aos 62 tendo realizado dezenas de toques retais e PSAs. Os sistemas de saúde
europeus que gastam a metade que o Norte Americano, tentam respeitar estas
premissas e todo cidadão é incentivado a procurar seu médico de família. Este
deve traçar uma estratégia preventiva individualizada com base nos riscos e no
conhecimento prévio da pessoa.
Sabe-se desde a
década de 60 que prevenção pode ser tanto primária (vacina, atividade física),
secundária (exames periódicos) quanto terciária (reabilitação, investigação de
sintomas). Há ainda uma quarta modalidade descrita na década de 80 por Marc
Jamoulle que seria a proteção do paciente com sintomas vagos e em risco de
supermedicalização evitando que este tenha acesso a intervenções desnecessárias.
Ou seja, exceto os provedores de exames, todos perdem quando se estimula uma
modalidade de prevenção separada da outra como é o caso das “fábricas de check
ups” onde se “entra porco e sai salsicha”, nas palavras de um paciente
imigrante europeu que teve uma bateria de exames agendada por sua secretária
porque o nariz escorria muito. Saiu com muitas duvidas, alguns falsos positivos
e com o nariz escorrendo. Enfim, os
políticos da América Latina dão maus exemplos quando sobre utilizam o sistema
de saúde privado e, muito provavelmente, estão paradoxalmente causando mais
danos a si mesmos que benefícios. Ser presidente na América Latina e rico é provavelmente
um fator de risco para ter um câncer sobrediagnosticado.
Excellent Gustavo!
ResponderExcluirManuel Gálvez
Enhorabuena por el artículo.
ResponderExcluirEl tuyo va a ser el primer blog en portugués que añada a mi Google Reader :)
por que não publicam em jornal de grande circulação? algum conflito de interesse?
ResponderExcluirNão sei mas este especificamente eu tentei publicar na Folha de São Paulo.
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